quarta-feira, 29 de novembro de 2023

A Verdade sobre a Pérgola do Estacionamento da Administração do Sítio Roberto Burle Marx

 

Esta publicação tem, como dizem os americanos, “a high level of ad-hoc-ness", isto é, foi feita só para tentar esclarecer uma situação estranha que encontrei em postagem recente de um ex-amigo, no Facebook.

Quando cheguei para dirigir o Sítio Roberto Burle Marx (SRBM), em 1995, encontrei amontoadas no chão umas espécies de mãos francesas gigantes, feitas de metal - um presente do artista Antonio Gabriel Fonseca que mais tarde se tornaria conselheiro do SRBM.

Eram seis e tinham sido encomendadas pelo diretor que me antecedeu. Os desenhos correspondentes indicavam que elas deveriam ser fixadas no muro de pedras adjacente à área de estacionamento para funcionarem como vigas de uma pérgola que, sustentando uma trepadeira, faria sombra nos carros.

Porém tal objetivo, conforme o projeto desse ex-diretor e de um outro funcionário do Sítio, era impossível ser alcançado por três motivos:

1- FIXAÇÃO.
A fixação no muro era problemática, pois tais mãos francesas, pelo simples peso das mesmas, agiriam como alavancas e extrairiam as pedras do muro, de modo semelhante ao de um martelo na função de arrancar pregos. A alternativa a essa forma de fixação seria cara demais, exigindo a demolição do muro em vários pontos, um para cada mão francesa, e a criação de bases de concreto resistentes o suficiente para suportar o grande balanço da haste horizontal (mais ou menos 6 m) da mão francesa que forma o teto da pérgola.

2- POSIÇÃO.
Ocorre que o muro, onde pretendiam fixar tais mãos francesas, era inclinado para trás e, para piorar a situação, havia, ao pé desse muro, uma jardineira que aumentava de largura ao longo do mesmo, afastando ainda mais os pontos de fixação da área do estacionamento. Por isso, caso resolvido o primeiro problema - o da fixação - os carros ficariam mais da metade fora da pérgola, em posição totalmente desfavorável, já que o sol na parte da tarde fica cada vez mais oblíquo, tornando uma pérgola nessas condições inútil para o fim pretendido.

3- OSCILAÇÃO
Mesmo que os dois problemas anteriores não existissem, uma vez fixadas, as peças estruturais da pérgola projetada oscilariam lateralmente quase 1 m. Me dei conta disso ao fazer um teste. Tal problema resultaria muito provavelmente na destruição de qualquer tipo de fixação no muro.

Resumindo, eu estava com um abacaxi nas mãos. Talvez isso - livrar-se dele - tenha contribuído para o convite que me foi feito pelo diretor que me antecedeu - meu ex-muy amigo - depois de oferecer o mesmo cargo a várias outras pessoas que recusaram a responsabilidade de dirigir o SRBM.

Felizmente, depois de muito pensar, consegui encontrar um meio de, aproveitando aquelas mesmas peças, erguer a pérgola e evitar o vexame do equivocado projeto original.

Abandonei a ideia inconsequente de prender as mãos francesas no muro e fixei-as no chão entre as vagas dos carros, provendo mais sombra, ou seja, proteção contra o sol. Para tanto tive que mandar encompridar a haste não horizontal das mesmas, soldando uma continuidade de mais ou menos 2 m em cada uma e cravando-as numa base de concreto ao nível do piso do estacionamento.

Foi necessária também a adição de espaçadores entre as peças, já que tampouco haviam pensado na enorme oscilação lateral que solucionamos cruzando os cabos de aço que perpassam todas as peças.

A pérgula, executada com todas estas modificações, funcionou, ganhando leveza ao se apoiar no chão apenas por meio dos seis delgados prolongamentos das peças estruturais. Além disso, desvinculando-se do muro, reduziu ao mínimo seu contato com patrimônio tombado, o que conta pontos positivos para aprovação no IPHAN.

Meu então ainda amigo foi lá, depois de concluída a obra, viu tudo e não disse nada. Agora estou na dúvida entre se ele nem percebeu as mudanças ou entendeu tudo, mas calou-se, já que, em sua cabeça talvez, agradecer ou elogiar-me seria reconhecer o fracasso de seu projeto.

Até aí, tudo bem, eu nem tocaria nesse assunto, já que me parece um tanto descabido ficar reivindicando autorias num lugar dedicado à preservação da obra de um grande artista, onde trabalhos complementares ficam melhor sem alarde.
O que me forçou a esse texto é que fiquei sabendo de uma postagem recente desse ex-diretor e amigo no Facebook, vangloriando-se desse projeto, como se errado não fosse, e do resultado que foi conseguido, não por ele, mas apesar do projeto errado.

Quando expliquei por escrito as mudanças indispensáveis feitas no projeto dessa pérgula e solicitei, a bem da justiça, seu reconhecimento da minha participação (isso seria o mínimo, pois o que fiz foi muito mais do que colaborar no projeto, foi salvá-lo de um fracasso retumbante) ele, em vez de finalmente me agradecer e se desculpar, me bloqueou sem resposta alguma (lacrou). Nem tenho meios de saber se ele modificou sua postagem ou apagou meu comentário, fazendo de conta que nada aconteceu.

Fica aqui, portanto, esta limitada tentativa de restauração da verdade.

Daqui em diante aproveito para narrar alguns fatos subsequentes que pouco têm a ver com o caso anterior.

Depois de terminada a execução da pérgola, cobrí-mo-la com varas de bambu - abundantes no SRBM - para que tivéssemos sombra imediatamente, até que alguma trepadeira ainda não escolhida cobrisse a pérgola. 

Achei que valia a pena, num lugar tão visível, colocar alguma trepadeira menos comum do que a infalível Thunbergia grandiflora. Seria uma ótima oportunidade de usar alguma espécie mais rara ou inédita. 
Foram testadas Thunbergia mysorensisCombretum jacquiniNorantea brasiliensis e uma Apocynacea de flores grandes, brancas, que Burle Marx trouxera de alguma viagem ao exterior, cujo nome era ainda desconhecido para nós. 
Tudo em vão. Após 10 anos de paciência e boa vontade com as espécies testadas, tivemos de nos render ao fato de que, no contexto, só a T. grandiflora seria capaz de cumprir aquela missão. E lá está ela, impávida até hoje, dando conta do recado com um pé nas costas e sem sobressaltos de qualquer natureza! 

29/11/2023